terça-feira, dezembro 16, 2008

Um livro na Feira do Livro II

Nuno Barros

No início era o caos.
No início, como sempre, era o caos.
Não poderia ser de outro modo.
No início, dizia eu (?), era o caos.
Mas não é preciso haver alguém para dizer o caos? E esse alguém põe no caos a
pedra da gravidade: a palavra onde chove e onde bate o sol (os seus espinhos).
Alguém que peregrina mas não tem deus, alguém que põe a pedra do deus no
seu próprio caminho.
Portanto alguém que inventa o caminho.
No início, em suma, era o caos.
Logo, também os pequenos cosmos caídos no caos, por exemplo, repetir a
palavra caos tantas vezes que
caos caos caos caos caos caos caos caos caos caos caos caos caos caos caos caos
caos caos caos caos caos caos
do caos se levante a pequena rotação de um sentido. Por exemplo: uma pequena
alma, essa desordem controlada.
Uma pequena alma balbuciante que empurra tintas, que diz “aqui”, ou diz:
No início era o caos, um caos tão frágil que o menor movimento
levava cada linha a um lugar que fosse seu, como se
estivesse tudo na iminência de se fazer sentido e em lugar nenhum
se pudesse salvaguardar a desordem, essa beleza sem testemunhas.
No início, balbucia, no in-, no início era
era o caos, balbucia, aprende a balbu-, a balbuciar, regressa
à dificuldade da língua insone, o caos, era
o inacessível caos na desordem instável
de um mundo condenado ao explodir do sentido.

Pedro Eiras, in Arrastar Tinta


O autor não pôde estar presente, mas ficamos com o rasto das palavras. A Márcia, do 9º A, elegeu este poema para arrastar a tinta da leitura, do caos ao sentido.

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